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Marcelo Caio D’Arco fala sobre a virada digital da Brink’s Brasil

Marcelo Caio Bartolini D’Arco assumiu o posto na Brink’s Brasil, em maio de 2020. Portanto, ele precisou lidar diretamente com as incertezas causadas pela pandemia da covid-19. A gigante do ramo de transporte de valores tem operações em 52 países, administra cerca de 1.300 instalações e é dona de uma frota de mais de 16 mil veículos. Após superada a crise sanitária, pode-se dizer que a empresa se fortaleceu perante o mercado, tendo, inclusive, lançado novos produtos e serviços.

Essa bem-sucedida travessia está relacionada à atuação fortemente digitalizada da Brink’s, atendendo às demandas tanto do varejo quanto de instituições financeiras. A empresa continua a ser um grande expoente em carros-fortes e escolta armada, mas também trabalha com um conceito de segurança bastante ampliado. Afinal, o alto valor agregado não é exclusividade de joias e certos produtos eletrônicos.

Na entrevista a seguir, o CEO compartilha um pouco dessa perspectiva e destaca a importância da adoção de boas práticas sociais, ambientais e de governança, assim como do investimento em inovação. Comenta, ainda, algumas peculiaridades da operação brasileira, como o advento do Pix como forma de pagamento e o fenômeno do novo cangaço.

O que o transporte de valores tem a ensinar para o transporte de cargas? 

O primeiro ponto é que o transporte de valores tem um foco muito grande na prevenção e gestão de riscos. Há uma inserção da questão do risco no desenho logístico em si. A segurança e a gestão de riscos influenciam demais o processo. Às vezes, a solução pode até não ser muito inteligente do ponto de vista logístico. Ocorre que a gestão de risco impera, de modo a garantir que aquele roteiro e aquela carga não enfrentem desvios e problemas adicionais. Outro ponto importante é que, no transporte convencional, existe o rastreio dos veículos. Às vezes, há o monitoramento reativo. No nosso caso, temos uma central de monitoramento que faz o processo proativo, avaliando, minuto a minuto, o que está acontecendo com cada um dos nossos veículos. A central avalia se a lógica que foi previamente desenhada está sendo respeitada. A gente acaba tendo um investimento bastante grande em tecnologia, buscando inovação para fazer o monitoramento das nossas operações. Com o histórico completo das entregas, a gente entende o que pode ser otimizado em termos de prazo. Assim, é possível mostrarmos, com transparência, a nossa cadeia de soluções para clientes e parceiros. No fim do dia, há um foco em redução de custos operacionais.

Qual seria o diferencial da Brink’s em relação à concorrência?

Se a gente pudesse colocar um diferencial, acho que seria o nosso olhar para o futuro. De forma constante, a Brink’s tem buscado inovar e desenvolver novos produtos, deixando de ser aquela empresa de carro-forte e gente armada para se tornar uma empresa que venha a prover soluções para o mercado, que necessita do tipo de serviço que a gente possui no nosso DNA.  

Hoje em dia, quem são os clientes da Brink’s? Quem está interessado no tipo de solução que vocês oferecem?

Hoje, a gente tem uma gama de clientes bem específica para cada linha de negócio, mas, se a gente pudesse falar dos dois principais segmentos, o primeiro seria o atendimento às instituições financeiras. Um outro grande pool seria o do varejo. Hoje, são os dois grandes grupos a que as nossas operações atendem.  

Quando o senhor menciona o varejo, refere-se ao transporte de produtos de alto valor agregado?

Marcelo Caio D’Arco | Também. Quando a gente fala em atender ao varejo, isso não significa só a logística de mercadorias. A gente faz atendimentos nacional e internacional do segmento de luxo, da parte de eletroeletrônicos, medicamentos, armas e munições. Existem produtos de alto valor agregado na indústria de cosméticos, por exemplo. Para todo produto que necessite de uma gestão de riscos diferenciada, nós estamos aqui para agregar a solução. Porém, existe, ainda, o produto que internamente chamamos de digital retail solution. Para o varejo, essa é a solução para fazer a gestão dos recebimentos em dinheiro dentro da loja e transformar o valor físico em digital – e vice-versa. A Brink’s é o grande viabilizador desse processo no menor tempo possível e de forma mais inteligente e segura.     

O senhor se refere àquelas máquinas para depósito de dinheiro?

Marcelo Caio D’Arco | Você tem os chamados cofres inteligentes, que fazem parte dessa solução. Eles são um dos itens do portfólio, mas há outros equipamentos. Por exemplo, existem as máquinas leitoras de cédulas. Se o cliente fez o recebimento ou, a depender do tamanho da loja, houve a sangria do caixa, ele pode pegar o valor em dinheiro e fazer o depósito no cofre. A movimentação é informada imediatamente para ele por meio de um portal. O cliente pode ter vários funcionários fazendo o depósito e, ainda assim, identificar de onde veio o dinheiro. A gente consegue conectar o cofre com o caixa do cliente, com o sistema de POS (Point Of Sale) dele. Normalmente, o cliente informa a partir de que valor em caixa precisa ser feita a sangria. Por meio dessa solução, ocorre a transformação do valor assim que a máquina faz a leitura da cédula, gerando o crédito online para o cliente, ou seja, o físico é transformado em digital.

A digitalização faz diminuir a movimentação do dinheiro em papel?

Marcelo Caio D’Arco | Não diminui. Na verdade, estou ajudando a empresa contratante a ter menos dispêndio de tempo e de custos para processar o dinheiro. Hoje, como funciona o supply chain do meio circulante? Por exemplo, em um estabelecimento, o cliente faz o pagamento por meio de um dos caminhos digitais (cartão ou Pix). Isso é processado; e a forma de recebimento do varejista já está toda organizada, porque o processo digital assim o obriga. Quando o pagamento é em dinheiro, como se faz para processá-lo? Você leva o valor ao banco para ser depositado em conta. O papel da Brink’s é fazer esse movimento de forma mais rápida e segura, gerenciando o risco para que o nosso cliente tenha com o dinheiro a mesma experiência que teria com o meio digital. Como eu transformo em digital o dinheiro que é depositado no cofre, eu faço com que o cliente tenha caixa disponível para cumprir as suas obrigações. Para isso, ele não precisa mais aguardar que uma empresa de transporte de valores venha até ele, faça a coleta e, finalmente, realize o depósito.

Revista CNT | Como a Brink’s “virou a chave” para o digital?

Marcelo Caio D’Arco | A gente passou por uma transformação. Antes, a operação de transporte de valores era fazer visitas a pontos de varejo ou instituições financeiras e coletar o valor. A gente trazia o valor para a nossa base e fazia o processamento do numerário, que é a conferência entre o valor e o que o lojista havia informado. Uma vez confirmado, eu informava ao banco o valor sob custódia e dizia: “Pode creditar”. E o que a gente fez? Com a implementação da solução digital, eu consigo fazer com que algumas etapas, que ainda têm de ser executadas de forma física, sejam transformadas em uma experiência digital para o cliente. Então, o numerário ainda vai estar depositado no cofre; e haverá o processamento, mas o cliente não precisa aguardar para ter o valor disponível. A gente conseguiu encurtar esse tempo com uma solução 100% Brink’s. Essa foi a primeira evolução. Mas, também, a gente vem evoluindo em soluções para o mercado de caixas eletrônicos – os chamados ATM (Automatic Teller Machine). No Brasil, a gente vem trabalhando em um portfólio para ATM mais robusto do que simplesmente o ressuprimento da máquina. Hoje, a gente tem solução de fio a pavio para ATM e, se for necessário, fazendo o investimento no equipamento, que passa a fazer parte da rede de determinado banco. A gente vem evoluindo, também, no segmento de transporte de carga segura, com novas metodologias e mais tecnologia embarcada no processo.

A Brink’s, juntamente com a Fundação Dom Cabral, conduziu uma pesquisa em que se constatou que apenas 3,5% dos brasileiros têm preferência pelo Pix como meio de pagamento. O que isso significa?

Marcelo Caio D’Arco | É importante lembrar que a pesquisa é de 2021 e registra o início do movimento de adoção do Pix pela população. Hoje, as transações que utilizam o Pix já ultrapassaram R$ 1 trilhão por mês, superando DOC, TED e os demais modelos de transação. O Pix é uma realidade para regiões onde há infraestrutura e tecnologia. É preciso existir um casamento perfeito de soluções, que inclui uso de smartphone; rede para se conectar; e, do outro lado do balcão, um varejista pronto para receber o pagamento e liberar o cliente de forma rápida. Para o lojista menor, é simples: basta entrar na conta para ver se recebeu. Mas e as grandes redes? Como fazem? Então, é preciso existir um consumidor disposto a pagar via Pix, um varejista disposto a receber e uma infraestrutura financeira e de rede. Apesar de tudo, o que a gente vê é um aumento do volume de transações pelo Pix, de modo que esse número de 2021 já foi mais verdadeiro. Fora isso, há uma questão de usos e costumes e, nesse nosso Brasilzão, algumas regiões ainda são bastante precárias com relação à infraestrutura.

Quanto à agenda ESG (boas práticas ambientais, sociais e de governança), como a Brink’s está posicionada?

Marcelo Caio D’Arco | É importante falar que a Brink’s adotou essa agenda globalmente. O ESG começou a ser adotado dentro da nossa estrutura corporativa e, hoje, está espalhado em todos os países nos quais a Brink’s tem atuação. Entendemos que isso é importante para o futuro do planeta e temos um Comitê de Sustentabilidade bastante atuante. A empresa procurou acelerar o programa de gestão de resíduos e reciclagem, reduzindo o uso de plástico, promovendo o descarte adequado e implementando o uso de malotes reutilizáveis em nossas operações do dia a dia. O Comitê de Sustentabilidade tem acompanhado, em nossas filiais, o incremento da utilização de energia fotovoltaica, o reúso de água e o aproveitamento de águas pluviais. Com nossos fornecedores, buscamos critérios mais sustentáveis e a formação de uma rede. Constantemente, a gente coloca essa pauta em discussão com os clientes. A quatros mãos, é feito um trabalho para buscar a melhor solução possível – e eles nos contratam, porque precisam de alguém que gerencie melhor os riscos, na comparação com o transporte convencional. Lembro que as companhias securitárias e os gestores de riscos têm regras. Às vezes, para atenderem a essas regras, os lotes são quebrados em vários veículos; e uma escolta é agregada. Enquanto isso, pode ser que a Brink’s consiga atender à demanda com um único veículo, por conta do modelo de operação que a gente traz. Por isso, a gente consegue colocar na mesa para os clientes o tema “compensação de carbono”. Por fim, estamos com uma campanha no Dia Mundial do Meio Ambiente (5 de junho), em que uma das ações é implementar o desligamento do carro-forte nas paradas. Normalmente, o motor fica ligado nesses momentos. É o chamado start-stop, muito comum em carros de passeio, com o objetivo de reduzir emissões.

O senhor poderia comentar um pouco sobre as iniciativas “S” e “G”?

Marcelo Caio D’Arco | Em social, a Brink’s reconhece o poder de promover um bom local de trabalho, inclusive que seja rico em ideias e perspectivas diversas. Por isso, a gente vem tomando medidas para aumentar a diversidade da equipe de liderança e da força de trabalho. As diretrizes de governança mundialmente adotadas são claras e específicas. Então, juntamente com o regulamento do Conselho Administrativo e com o Código de Ética, elas proporcionam uma estrutura para a governança da Brink’s alinhada ao capítulo ESG. É uma estratégia global.

Como é integrar um grupo multinacional de grande porte? Que tipo de aprendizado a Brink’s Brasil colhe de suas irmãs internacionais?

Marcelo Caio D’Arco | A vantagem é enorme, porque a gente acaba colhendo benefícios e trocando experiências de boas práticas que são implementadas em outros lugares. A gente está presente em mais de 70 países e acaba se beneficiando da rede. Por meio do Comitê de Melhoria Contínua Global, muitos projetos acabam sendo pulverizados para outros países. Nesse contexto, fazer um “copia e cola” é bastante comum. Um dos nossos valores é a constante evolução, então esse capítulo é bem forte e dinâmico dentro da corporação.

Na Brink’s, como está estruturada a área de inovação?

A gente tem duas frentes. Uma, como eu falei, é Comitê de Melhoria Contínua, que tem uma equipe de projetos. E temos outra linha, que está em contato com o mercado, buscando inovação, chamada de Brink’s Up! Trata-se de uma área de novos negócios com o objetivo de fomentar novos produtos e serviços para os clientes. É como um laboratório: a gente fica o tempo inteiro testando coisas. Na maioria das vezes, a gente consegue fazer isso internamente com uma metodologia chamada de Discovery, em que vamos ao cliente para fazer uma análise de supply chain, identificando gaps e problemas. A solução vem a quatro mãos, com o cliente colaborando com o novo desenho. Além disso, tem a parceria com startups. Com elas, a gente vê a possibilidade de trazer novos produtos que sejam aderentes ao nosso portfólio. Se for o caso, a gente faz o processo de aceleração. Hoje, a gente faz parte do inovabra (plataforma digital que conecta participantes do ecossistema de inovação brasileiro). Ali, nós temos os nossos capítulos de análise das ideias diferentes que surgem.

Como a Brink’s está lidando com o fenômeno do novo cangaço?

É o chamado domínio de cidades, em que ocorre um cerco. A gente pode considerar isso como uma nova modalidade de conflito não convencional. Ele surge da evolução de crimes violentos contra o patrimônio, em que grupos articulados são compostos por diversos criminosos, que se dividem em tarefas específicas. Não é algo exclusivo de uma facção. Eles subjugam a ação do poder público e, com planejamento, executam roubos majorados. Parece cena de filme. E o foco é subtrair o maior valor máximo possível em espécie e objetos valiosos. Às vezes, há resgate de detentos. Eles utilizam veículos potentes, têm rota de fuga pré-determinada e usam armamento de grosso calibre. Então, o que a gente viu nessa nova modalidade é o nível de planejamento das facções. Elas realizam um investimento grande para fazer toda essa análise e entender o que vão atacar e com qual objetivo. O que a gente pode dizer é que é um processo muito elaborado e muito bem organizado. Elas têm até monitoramento da força auxiliar de apoio, com olheiros. Do nosso lado, estamos, durante o tempo inteiro, atentos, tentando entender essa modalidade. A gente tem feito um trabalho de prevenção em conjunto com a segurança pública nacional e tem um trabalho interno, de monitoramento ativo, para poder reagir e tentar minimizar a quantidade de ataques às nossas instalações.

Como vocês treinam os motoristas e os profissionais de segurança? A Brink’s tem sua própria escola?

Marcelo Caio D’Arco | A gente tem uma equipe grande de treinamento interno. A gente busca a formação do nosso time, dos motoristas e dos profissionais de segurança, de forma alinhada com o nosso DNA, para disseminar a cultura organizacional. A Brink’s University é a nossa universidade corporativa. Ela foi fundada em 2012 e é responsável pelo desenvolvimento de mais de 8 mil profissionais no Brasil. Já foram ministradas mais de 110 mil horas de treinamento por ano. Oferecemos programas de formação para futuras lideranças, para trainees e para analistas operacionais, entre outros. A gente tem um encontro voltado ao aperfeiçoamento de vendas. A gente tem plataforma de e-learning, que evoluiu muito durante a pandemia. Há a plataforma de gestão de desempenho e o Plano de Desenvolvimento Individual, a partir dos quais nossos talentos são mapeados e recebem oportunidades dentro da empresa. Tudo isso contribui, também, para a nossa segurança operacional. Dentre as formações obrigatórias, destacam-se: Noção Básica de Transporte de Valores; Formação de Chefe de Guarnição; Formação de Vigilante; treinamento para os funcionários que atuam nas salas de processamento de valores etc. E, hoje, temos, inclusive, uma parceria com o SEST SENAT, em que estão à disposição psicólogos, nutricionistas e os fisioterapeutas para todos os colaboradores e seus familiares. Aproveitamos, ainda, o treinamento de simulador de direção, a pista para treinamento dos motoristas para manobras de evasão, além dos diversos cursos disponibilizados e que nos ajudam na parte profissionalizante.

Por último, o senhor poderia comentar um pouco sobre sua experiência como CEO? Que qualidades um líder deve cultivar?

Marcelo Caio D’Arco | Se eu puder deixar uma mensagem, é a de que um líder tem de ser bastante humilde. Eu acho que ele tem de aprender a escutar mais do que falar, entender o que está acontecendo ao seu redor e ter a capacidade de absorver isso e traduzir em uma linguagem comum, de forma a engajar todos dentro de um mesmo propósito. Se você ficar falando demais, estará imperando com sua vontade e com sua voz; e esse não é o objetivo de um grande líder.


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